sexta-feira, 28 de abril de 2017

UM TEXTO SOBRE SAPATOS


UM TEXTO SOBRE SAPATOS
Denize Vicente – Cidade Maravilhosa/RJ

"... Muitas vezes tentamos oferecer o que achamos que as pessoas precisam. No entanto, em primeiro lugar devemos buscar entender o que elas veem como necessidades. Andar com os sapatos dos outros significa tentar entender a vida, com todas as suas dificuldades e problemas através da perspectiva deles. Significa buscar compreender suas dores e alegrias. Em outras palavras, encontrá-los onde eles estão." (Salvos pela Graça, Ed. CPB, 2012)

A gente vai vivendo a vida sem se preocupar muito com o outro. Não é por mal... Na maioria dos casos não é por mal. É que a gente tem pouco tempo, nas vinte e quatro horas de cada dia, pra fazer tudo o que precisa, tudo que está na agenda, tudo o que o chefe cobra, que a mãe espera, que o marido pede, que a namorada deseja... A gente não tem tempo de cuidar nem das próprias emoções, que dirá essa coisa de se colocar no lugar do outro, sentir o que o outro sente, andar com os seus sapatos!


Na correria diária, na maioria das vezes só dá tempo de pensar com a própria cabeça, sentar na sua própria cadeira, e tirar o mundo pela sua própria perspectiva. A gente oferece (ou despeja, simplesmente) o que é possível, o que acha que o outro precisa, sem nem mesmo tentar perceber a vida do outro, as suas necessidades, as dificuldades dele... A gente termina vivendo num mundinho em que o referencial é só mesmo o mundo da gente.

“O que caracteriza a nossa história é não reconhecer os indígenas, os negros, os pobres, os camponeses, os quilombolas, os ribeirinhos e os favelados como sujeitos humanos.”1

Frei Betto disse uma vez, de um jeito bem prático, numa palestra em que citou Nicolau Copérnico, Paulo Freire, os muçulmanos, e mais gentes boas, que é preciso se colocar no lugar do outro. Ele disse assim: “Uma coisa é eu ser diretora da escola, outra coisa é eu me colocar no lugar da faxineira da escola; uma coisa é eu ser o dono da casa, outra coisa eu me colocar no lugar da cozinheira da casa. Quando a gente se coloca no lugar do oprimido, muda o nosso lugar social, o nosso lugar epistêmico, a maneira de ver e entender as coisas.”. 2

Ele contou, nesse mesmo dia, que tem uma escola na cidade em que ele mora que nos fins de semana reúne pais e alunos e eles fazem oficinas, pra faxineiras, cozinheiras, porteiros de prédios aprenderem um pouco mais de Português, Matemática, Culinária, Corte e Costura, uso de produtos químicos...  E aí ele disse: “Uma criança que participa disso, o valor dela, o olhar dela, é outro. Porque esse é um princípio pedagógico absoluto: a cabeça pensa onde os pés pisam. Se os meus pés nunca foram aos pobres, como é que eu vou ter sensibilidade para com eles? Como ser solidário a eles como Jesus era?”.

 
Daniel Goleman3 afirma que a empatia se constrói a partir da consciência de si mesmo, e quanto mais abertos estamos para nossas próprias emoções, maior será nossa capacidade de compreender os sentimentos dos outros. As necessidades dos outros. Mas a gente não tem tempo nem pra fazer amigos, não tem mais tempo de conhecer coisa alguma, nem a si mesmo, a gente só compra tudo prontinho nas lojas, já dizia o Pequeno Príncipe4... E não existem lojas vendendo sensibilidade, sentimentos, emoções...

Frei Betto terminou a palestra dizendo que nas escolas católicas eles precisam se preocupar em como formar discípulos de Jesus, e não meramente gente que tenha fé em Jesus. Porque Hitler, Bush, a maior galera por aí tem fé em Jesus. Juízes, Professores, Reis, Presidentes, Promotores, Padres, Pastores, Políticos, Empresários, muita gente tem fé em Jesus.

Ser discípulo de Jesus é diferente, sabe? É ter empatia. É calçar os sapatos do outro, andar com eles. É difícil? É. Dá trabalho? Dá. Tem modelo? Tem. Jesus era assim. Só que a coisa desandou.

Calçar os sapatos dos outros.
Era isso o que Jesus fazia.
É assim que eu quero ser.
“Se a gente estragou, a gente vai ter que consertar. Como? Jesus já veio ensinar o caminho.”5


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Referências:

1.    Miguel Arroyo, citado por Ana Luiza Basílio em Paulo Freire em seu devido lugar – disponível em: http://educacaointegral.org.br/reportagens/paulo-freire-em-seu-devido-lugar/ - acessado em 27.04.2017.

2.    Frei Betto – Palestra – disponível na íntegra em: http://www.franciscanos.org.br/?p=101816 – acessado em 27.04.2017.

3.    Daniel Goleman, Psicólogo norte-americano, pioneiro na abordagem de temas relacionados à inteligência emocional.

4.   “Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.” - Antoine de Saint-Exupéry in O Pequeno Príncipe.

5.    Frei Betto - loc. cit.

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