A CARTA DA PRINCESA
Por Denize Vicente
“Fui informada por papai que me collocou a par da intenção e do envio
dos fundos de seo Banco em forma de doação como indenização aos ex-escravos
libertos em 13 de Maio do anno passado, e o sigilo que o Snr. pidio ao
prezidente do gabinete para não provocar maior reacção violenta dos
escravocratas. Deus nos proteja si os escravocratas e os militares saibam deste
nosso negócio pois seria o fim do actual governo e mesmo do Império e da caza
de Bragança no Brazil. (…) Com os fundos doados pelo Snr. teremos oportunidade
de collocar estes ex-escravos, agora livres, em terras suas proprias
trabalhando na agricultura e na pecuária e dellas tirando seos proprios
proventos. Fiquei mais sentida ao saber por papai que esta doação significou
mais de 2/3 da venda dos seos bens, o que demonstra o amor devotado do Snr.
pelo Brazil. Deus proteja o Snr. e todo a sua família para sempre!”
Esse é um trecho de uma
carta divulgada nos meios de comunicação há pouco mais de dez anos, no dia 30 de abril de
2006. Uma carta da Princesa Isabel, dirigida ao Visconde de Santa Victória, datada
de 11 de agosto de 1889.
Mostra os esforços da
princesa e de seu pai, o imperador D. Pedro II, na intenção de que os antigos
escravos, já então em liberdade, tivessem condições dignas de sobreviver e de
fazer parte, se inserir, na sociedade. Como você pôde ler (aproveitando para
curtir um pouco o Português da época), a carta trata de uma
indenização a ser paga aos ex-escravos e também de um fundo para a compra de
terras a serem doadas a eles, para que nelas pudessem plantar, colher, comer e
fazer dinheiro.
O
curioso é que a mídia se voltou, naquela oportunidade, para o ato de a princesa
“ter escrito” a carta, para “a generosidade da princesa”, e para “a intenção de
Isabel”, ficando fora dos debates na TV e dos comentários “o projeto”
apresentado na carta. Um novo destaque para a figura gentil e benevolente da
princesa e pouca importância para a indenização acertada naquele documento
(dois terços dos bens do Visconde de Santa Victória entraram em jogo) mas que, afinal, jamais foi
paga aos negros ex-escravos.
Três meses depois dessa
carta ter sido escrita, segundo a História a princesa e seu pai foram depostos
e até hoje ninguém sabe qual foi o destino da grana doada pelo dono do banco...
Sem querer polemizar sobre o que é mais
adequado e razoável para compensar os danos causados pela segregação, pela
privação de direitos e pelo preconceito racial sofridos pelos negros – compensação pecuniária ou reparação fundada
na adoção de ações afirmativas por parte do Estado – merece realce a
inversão de valores e a indiferença manifestadas na ocasião em que esse documento veio a público... Não voltou a debate, naquela oportunidade, o projeto
estampado na carta da princesa. Não vieram à tona, a não ser por parte dos
movimentos liderados por negros, discussões sobre os danos causados e a
necessidade ainda existente da reparação...
Dez anos se passaram desde que a carta chegou
ao conhecimento da gente e mais de 125 anos desde que foi escrita e que o
dinheiro sumiu, assim como a vontade, de verdade, de copiar ou melhorar o
projeto estampado na carta.
A vida de Jesus, na Terra, mesmo já passado tanto tempo, foi um legado pra nós; trouxe vários
ensinamentos (pra quem quer aprender, é claro), dentre eles, lições de humildade,
altruísmo e respeito, e total desprezo às ações e intenções discriminatórias,
egocêntricas e egoístas. 13 de maio. Hoje é dia de repensar nosso jeito de agir. Pequenas
atitudes que podem parecer insignificantes, muitas vezes estão carregadas de
preconceito e manchadas com a indiferença quanto à dor e o sofrer do outro. Já
se tocou de que um comentário maldoso, fingido de piada, fere o seu próximo
ainda mais do que as correntes que amarravam os seus antepassados? Já pensou o
que pode significar a jornada extensa e mal remunerada que você impõe a alguém
que trabalha pra você? Hoje é dia de repensar nosso jeito de ser.
O apóstolo Paulo também escreveu uma carta. Escreveu dentro
da prisão, em Roma. Estava endereçada ao povo que vivia na cidade de Filipos. A
carta continha elementos de gratidão e demonstração de afeto e de saudade. Mas
um recado que ele deixou pros filipenses e que também serve pra gente está no
capítulo 2 do livro e eu vou transcrever aqui pra você:
“Não façam nada por
interesse pessoal ou por desejos tolos de receber elogios; mas sejam humildes e
considerem os outros superiores a vocês mesmos. Que ninguém procure somente os seus próprios
interesses, mas também os dos outros. Tenham entre vocês o mesmo modo de pensar que Cristo
Jesus tinha: Ele tinha a natureza de Deus, mas
não tentou ficar igual a Deus. Pelo contrário, ele abriu mão de tudo o que era seu e
tomou a natureza de servo, tornando-se assim igual aos seres humanos. E,
vivendo a vida comum de um ser humano, ele foi humilde e obedeceu a Deus até a morte — morte
de cruz.”
(Filipenses 2:3-8 - Bíblia -
Nova Tradução na Linguagem de Hoje)
Hoje é um dia comum, pra
maioria das pessoas. Mas, Pensando Bem, pode ser o dia da virada. O dia em que
a gente começou a repensar esse jeito indiferente de viver...
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Referências:
<https://rainhastragicas.files.wordpress.com/2015/12/carta.jpg?w=700&h=636> - acessado em 11.05.2016.
Mais sobre ações afirmativas como estratégia para se alcançar uma igualdade plena e efetiva nas sociedades e integrar os segmentos populacionais discriminados você pode ler aqui:
Esse Visconde vai pro céu, só pode!
ResponderExcluirEm compensação...
Excluir:)))
Ontem lembrei do dia 13 de Maio, mas jamais havia pensado nesse dia como está escrito no texto. É muito triste que pessoas tenham sido escravizadas apenas pela cor da pele e que, infelizmente, o preconceito ainda perdure nos dias de hoje. Os negros são responsáveis pelas obras bem-feitas que vemos espalhadas pela cidade do Rio de Janeiro (os construtores da ciclovia deveriam ter seguido o exemplo deles), são pessoas dignas e também por elas, Jesus Cristo derramou o Seu precioso sangue. Por fim, as passagens Bíblicas têm tudo a ver com o ato do Visconde de Santa Victoria, i.e., o amor ao próximo.
ResponderExcluirPois é... Ano 2016. Séc. XXI. E "ainda somos os mesmo e vivemos como nossos pais...". Por um mundo com mais amor e menos coisas ruins. "A começar por mim."
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