terça-feira, 10 de novembro de 2015

CANECAS


CANECAS 
(Por Airton Sousa)

Deve ter sido em 1998, quando eu trabalhava na Publicis Brasil, que comecei uma coleção de canecas, depois de ter ganhado de brinde minha segunda caneca da TV Globo. Em 2014 já eram mais de 600. Quem me visitou em São Paulo viu que tinha uma sala com estantes só para essas canecas.

Eu era fanático por canecas e tinha até teorias sobre o assunto, tipo: "um detalhe que você precisa saber sobre coleção de canecas é que não existe esse papo de tomar leitinho ou sopinha na caneca. Isto é um absurdo. Pecado. Caneca não é para usar e perder lascas na pia. É para acumular poeira, mesmo.".

Por conta dessa fixação fiz loucuras... como assistir filmes ridículos, comprar celular, abrir conta em banco, só porque o brinde era uma caneca. Tomar café e pagar mais R$4,90 e levar de brinde a caneca. Os amigos viajavam e traziam canecas; tenho caneca do "Fantasma da Ópera", que tinha um detalhe bem bacana: a caneca era preta, mas quando você colocava água quente dentro, aparecia na parte externa a imagem do fantasma. Tenho canecas de várias cidades e países. Floripa, Curitiba, Porto Seguro, tenho canecas dos Estados Unidos, e tem uma da Bratislava, lá do leste europeu. Na época, eu descobri que todo mundo que coleciona canecas é chique, bonito e descolado.

O sonho de consumo era a caneca do Jô; implorei para os contatos comerciais da emissora, mas diziam ser muito difícil. Daí, comecei a pensar que o único jeito de ganhar aquela caneca seria ser entrevistado no programa e pedir a caneca de brinde... O problema era que não sou muito fã do apresentador! Acabei desistindo... e desisti também de ser entrevistado no "Agora é tarde", depois que o Victor, que trabalha no SBT, me prometeu uma caneca do programa.

Mas... chegou o momento de voltar ao Rio e eu tinha que me desfazer de tudo o que havia em casa - caixas de roupas, calçados e papeis que não seriam importantes aqui no Rio. E as canecas? Comecei a embrulhá-las em jornais e guardá-las em caixas. Não queria me desfazer de nenhuma, pois cada uma tinha uma história especial. Recordações importantes. Algumas até valeriam algum dinheirinho. Quando todas já estavam encaixadas, um amigo me perguntou, com todas estas letras: "O que vai fazer com esse monte de entulho?".

Então começou meu dilema. O que conservar, o que jogar fora. Tudo agora não passava de entulhos e trastes. A que eu continuaria apegado e o que guardaria, para me desapegar mais adiante? Meditando sobre tudo isso, chego à conclusão que durante toda vida colecionei coisas, sentimentos ruins, desejos e vícios que deveriam ser descartados de imediato.

Com as canecas descobri que para um novo começo eu deveria peneirar tudo o que a vida colocou diante de mim.

Enquanto faço essa “operação desapego”, descubro que nada realmente importa e começo a pedir a ajuda de Deus para fazer escolhas sábias e jogar fora tudo que é desnecessário, e a pedir como o salmista: "Sonda-me ó Deus, e conhece meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.” (Salmos 139:23)

E a faxina continua.

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