sexta-feira, 29 de abril de 2016

ABRA OS OLHOS...


ABRA OS OLHOS...
Por Denize Vicente

Era prazer? Era.
Mas era mais que prazer. Era alegria.
A diferença? O prazer só existe no momento.
A alegria é aquilo que existe só pela lembrança.
O prazer é único, não se repete.
Aquele que foi, já foi. Outro será outro.
Mas a alegria se repete sempre.
Basta lembrar.1

Semana passada falamos aqui sobre “pequenas alegrias”, e talvez aquele clipe gostosinho de ver e ouvir ainda esteja na sua cabeça... e você tenha, durante a semana, reparado nas coisinhas gostosas da vida, em vez de se apegar àquela mania feia de valorizar o que há de ruim por aí.

Alberto Caeiro escreveu:
Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores…2

A gente precisa ter os olhos limpos, manter a mente aberta e o coração leve, pra ver o belo, enxergar as alegrias e viver feliz. A gente precisa desligar o alerta, soltar o freio de mão, engrenar a primeira, acelerar e andar pelas estradas vendo a felicidade no caminho, até nas coisas mais banais, e mesmo que a viagem toda aconteça apenas na sua imaginação... você sentado na cadeira do escritório, no sofá da sua sala, em pé no metrô. Lembre-se: “quem não sabe ver não viaja, mesmo que vá para a China”.1


Talvez você tenha conseguido, esta semana, se ligar nas alegrias, naquelas coisas que, só de lembrar, já nos deixam felizes. Ou talvez ainda esteja se apegando às dores, abrindo a janela sem ver os campos e o rio. Se for o caso, você precisa aprender a ver.
Faça esse esforço.


Sabe, a vida espiritual também exige olhos que enxerguem. A religião3 é algo além do óbvio e do trivial...

A Bíblia é cheia de histórias interessantes e uma delas conta de Eliseu, um profeta gentil, que falava de um jeito amigável, sucessor de Elias. Numa ocasião, ele pediu a Deus justamente isso (olhos abertos), em favor de um jovem que trabalhava com ele e que um dia acordou cedinho, abriu a porta, foi pra rua e viu as tropas sírias com os seus cavalos e carros de guerra cercando a cidade. Voltou desesperado, e disse pra Eliseu: — Nós estamos perdidos!

Percebendo que seu auxiliar só via o trivial, Eliseu orou assim:
Senhor, peço-te que lhe abras os olhos, para que veja.
E o Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu.” (II Reis 6:17).

“E viu”, é o que nos conta a Bíblia. Ele viu além do óbvio, viu que o exército que cercava Eliseu era muito mais poderoso do que o dos sírios, que ele tinha visto na rua...



Dá pra perceber? Eliseu pediu a Deus que revelasse ao rapaz a realidade espiritual que a gente quase nunca vê; ele queria que o moço, apesar de ver a ameaça, pudesse ver a saída, a Providência. Eliseu pediu que Deus desse um gás na capacidade de crer, que aquele jovem tinha e que eu e você também temos.

Na sua vida profissional, acadêmica, familiar, na sua vida afetiva, nas relações sociais e na vida espiritual você precisa ter os olhos abertos para ver além do óbvio, ver mais do que o que salta à vista. É preciso ver que Deus cuida de nós, mesmo quando não parece; que prepara a saída quando tudo está, praticamente, perdido; que dá cor aos dias que amanhecem cinza.

Qualquer dificuldade... peça também: “Deus, abre os meus olhos para que eu (Te) veja!”.

__________________


Referências:

1. Rubem Alves (Correio Popular, 14.11.1999)

2. Alberto Caeiro (Poemas Inconjuntos), citado por Rubem Alves na mesma crônica publicada no “Correio Popular” de 14.11.1999.

3. Gosto da ideia de associar o termo latino religare à origem da palavra “religião”, com o sentido de “ligar novamente”, “voltar a ligar” ou “religar” – o homem a Deus. Prefiro religare a relegere. <http://www.dicionarioetimologico.com.br/religiao/>

2 comentários:

  1. Cheguei a rir qdo. li a história de Eliseu, que pediu a Deus para abrir os olhos de seu auxiliar. Ri pq muitas vezes somos como seu auxiliar, pois não conseguimos enxergar as provisões e livramentos dados pelo nosso Deus. Que Deus continue te abençoando!

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    Respostas
    1. Eliseu deve ter pensado: "Perdido tô eu contigo, jovem...". A oração completa dele deve ter sido algo do tipo:
      "Senhor, se esse garoto continuar assim, estamos fritos! Peço-te que lhe abra os olhos, para que veja,".
      E o moço viu!

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