sexta-feira, 20 de março de 2015

O IMPORTANTE E O ESSENCIAL



O IMPORTANTE E O ESSENCIAL
(Por Denize Vicente)

Neruda tinha (tem) três casas no Chile: uma em Isla Negra, outra em Valparaíso, La Sebastiana, e aquela em Santiago, La Chascona.

Uma vez eu fui ao Chile e me encantaram os chilenos - um povo amável, cheio de carinho pelos brasileiros e de uma simpatia muito acolhedora. Foram poucos os dias, ali. Apenas quatro. Era inverno. O céu era azul, havia branco de neve em alguns pontos e aquilo era mesmo uma coisa muito, muito linda! Conheci a história dos “mapuche”, conversei com gente simples, caminhei pelas ruas de Santiago, visitei uma feirinha de artesãos locais, subi o Vale Nevado, e sobrevoei a Cordilheira dos Andes - uma das visões mais belas que tive de dentro de um avião, brigando pelo primeiro lugar com a vista do “Cristo Redentor, braços abertos sobre a Guanabara...” (1).

Fiz muitas coisas enquanto estive no Chile, mas não pude visitar as casas de Pablo Neruda... Quando vamos a algum lugar, de passagem, geralmente temos pouco tempo e não é possível fazer e ver todas as coisas que desejamos. As companhias, muitas vezes, interferem no roteiro que será seguido, e muitas vezes influenciamos, outras somos influenciados, na definição das prioridades. 

Estive no Chile e não conheci as casas-museu de Pablo Neruda.

A gente está de passagem, também, aqui na Terra. É preciso estabelecer prioridades e traçar um roteiro do que fazer nesses dias. Não é exatamente uma questão de tempo. Trata-se de priorizar. Desprezar algumas coisas, relegar ou secundarizar, dando preferência a outras. Escolher hoje o que fazer, a quem amar, a quem dedicar meus tesouros e minhas habilidades, meus talentos. Definir os trajetos e o tempo que irei gastar com cada acontecimento, nesta estada. Fazer as melhores escolhas, abrir mão de coisas interessantes para conhecer outras igualmente importantes, mas que sejam, talvez, as realmente essenciais. Às vezes é difícil. Como trocar o Vale Nevado por La Chascona (2)? Como abrir mão de uma conversa com um artesão que dá uma aula de História sentado com você num banquinho de madeira? Dá pra conciliar ou preciso descartar algumas das minhas opções? Que critérios vou usar, nesta viagem, para escolher aquilo de que não posso abrir mão, se não tenho como fazer tudo?

Nesta vida, onde estamos de passagem, apenas por um curto tempo, temos a chance de estudar o roteiro que vamos seguir. Tem o lance de influenciar e ser influenciado nas escolhas. E as escolhas são uma espécie de GPS quando o destino é a plena realização. E se nunca mais eu tiver a oportunidade de conhecer de perto um pouco da vida do poeta, ver suas coleções, seus livros na biblioteca? Sabe o que dói, quando me lembro daqueles dias? Havia uma casa que ficava bem ali, no bairro da Bellavista, em Santiago, onde eu estava hospedada, próximo ao Cerro San Cristóbal, que eu subi. Tão perto, mas não cheguei onde queria. Depois de quatro dias, cheguei ao final de uma viagem que foi muito, muito boa; mas que não foi completa. E não porque não vi tudo, no Chile, mas porque deixei de lado uma coisa essencial.

Nossa vida, aqui, não é para sempre. Temos pouco tempo. Há coisas desnecessárias das quais eu posso abrir mão com facilidade. Outras, que são boas, mas não são fundamentais. E ainda há aquelas que me são lícitas, mas que não me convêm... Que eu escolha, então, o que é essencial. Porque dói estar tão perto e não chegar lá.

“Quer você se volte para a direita quer para a esquerda, uma voz atrás de você lhe dirá: Este é o caminho; siga-o." (3)
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Referências
¹ Trecho de “Samba do Avião”, de Tom Jobim. 
² “La Chascona”, em Santiago, foi construída em 1952 para celebrar o amor de Pablo por Matilde, “a descabelada” (la chascona), sua última esposa.
³ Isaías 30:21 - Bíblia - Nova Versão Internacional

Um comentário:

  1. É meio frustrante mesmo quando vamos a algum lugar, como turistas, e não conseguimos aproveitar tudo. Quando fui à Israel não consegui visitar o Mar Morto e nem o Monte Sinai (que fica em território egípcio). Em compensação fui a inúmeros outros lugares interessantes.

    Vi outro dia uma foto que, particularmente, me entristeceu bastante. A foto mostrava Gilberto Gil tocando violão e, ao lado dele, uma menina (parecia ter uns 18 anos) com fone de ouvindo olhando para o celular.

    ...

    Às vezes podamos algumas escolhas em favor de outras, como fiz em Israel. Mas às vezes preferimos viver algo efêmero quando podemos apreciar coisas belíssimas.

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