FACILITE
A MINHA VIDA
Por Denize Vicente
Eu moro numa cidade que adotou o sistema de cobrança de
pedágio urbano. É desagradável e pesa no bolso, mas é o que temos. Dia desses
eu parei o carro na cabine de pagamento. Logo na entrada da via expressa eu vi
uma placa pedindo que a gente facilitasse o troco. Pra não exigir muito do
motorista, a concessionária já faz as contas e adianta o valor: “Facilite o
troco com R$0,40”. O pedágio custa R$5,90, e quando eu parei na cabine, a
jovem, muito automaticamente gentil, me perguntou:
- Tem 40 centavos ou 90 centavos?
Oi??
Sorri e balancei a cabeça, dizendo “não”. Ela me deu duas
notas de dois reais e mais dez centavos. Eu parti.
Dias depois eu fui a Niterói. Niterói é outra cidade do
estado do Rio. Também tem pedágio, pra se chegar lá usando a ponte – uma via intermunicipal.
Custa R$4,00 a tarifa. Dei uma nota de R$20,00, recebi o troco. Parti. Na
volta, precisei pegar novamente uma via expressa urbana. Cobrança de pedágio. Pra
diminuir o tempo de espera na fila de pagamento há alguns cobradores no meio do
trânsito – os “papa-filas”. Entreguei uma nota de R$20,00. A jovem cobradora recusou,
dizendo que só podia aceitar dinheiro trocado; que eu fizesse o pagamento na cabine.
Oi??
Cheguei à cabine, entreguei o dinheiro à garota e ela
me fez a mesma pergunta daquela outra jovem, da outra via expressa, daquele
outro dia, lembra?:
- Tem 40 centavos ou 90 centavos?
Oi??
Sorri e balancei a cabeça, dizendo “não”. Para minha
surpresa, ela me entregou de troco uma nota de dez reais, uma nota de dois
reais, e todo o restante do dinheiro em moedas. Isso mesmo! Depois de me pedir quarenta
centavos ela me deu R$2,10 em moedas – quase todas de dez centavos.
Admito, eu quase puxei o freio de mão pra iniciar uma
conversa:
- Então você me pede quarenta ou noventa centavos e tem
todas essa moedas pra me dar de uma vez... Fale-me mais sobre isso.
Quase. Mas preferi não envolver a moça nos meus pensamentos: é assim
mesmo que muita gente faz na vida, né?
Veja bem: a concessionária cobra
R$5,90 e me pede pra facilitar o troco com noventa centavos. Isso não é “facilitar
o troco”. Facilitar seria dar um real, concorda? Ela quer mais que facilidade.
Muito mais. Quer que o consumidor, que já tem que desembolsar um alto valor da
tarifa pra ir e o mesmo alto valor pra voltar, tenha que ter no bolso cento e
oitenta centavos, ou seja, que ele vá ao banco trocar dinheiro, tarefa que
compete ao empresário.
O curioso: a concessionária, que
trabalha com isso, em tese não tem dez centavos; mas eu deveria ter noventa, ou
pelo menos quarenta!
E o mais incrível: ela pede que você dê,
mesmo sem precisar, porque ela já tem – ou não me daria aquele troco com tantas
moedas!
Convido você a refletir sobre isso...
Quantas vezes você espera ou exige do
outro aquilo que nem você tem para dar? Você, que deveria ter dez, mas não tem,
pede do outro quatro vezes mais que isso – quem sabe, até, nove vezes mais! Você
acha bonito isso?
Vendo a mesma situação sob outro prisma:
quantas vezes você, que tem dez, mas não quer abrir mão do que tem, pede que o
outro facilite a sua vida entregando quarenta ou noventa? Quantas vezes você
pede, mesmo sem precisar? Só por comodismo. Só pra transferir obrigações e
responsabilidades.
Pense também sobre quantas vezes você
faz o outro confessar que não tem noventa, nem mesmo quarenta, pra em seguida
ostentar que tem mais de duzentos?
Por fim, pensando no “papa-filas” que
só queria papar a comidinha mastigada, reflita sobre quantas vezes você, que
tem estado aqui neste mundo pra facilitar a passagem dos demais serumaninhos
pelos obstáculos da vida, mais atrapalha do que ajuda? Se você, que está ali
para ajudar, empurra o problema pro jovem da cabine à frente, a fila só
aumenta. E não foi pra isso que criaram os papa-filas...
Perceba que não estamos falando,
exatamente, de dinheiro.
Peço a Deus que este texto não tenha absolutamente nada
a ver com você; que não lhe diga nada, porque você não age assim. Mas peço
também que você tenha a humildade necessária para reconhecer, se for o caso,
que tem agido de uma forma completamente desleal com o seu próximo. E que, reconhecendo
isso, decida mudar; porque ainda há tempo pra recomeçar.
Pense bem.
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