quarta-feira, 26 de outubro de 2016

MEUS ORGULHOSOS FRACASSOS


MEUS ORGULHOSOS FRACASSOS
Por João Octávio Barbosa

Darcy Ribeiro faria hoje 94 anos. Falecido em 1997, ele foi um antropólogo, escritor e político brasileiro, conhecido por seu foco em relação aos índios e à educação no país. Suas ideias de identidade latino-americana influenciaram vários estudiosos latino-americanos posteriores. Como Ministro da Educação do Brasil realizou profundas reformas que o levaram a ser convidado a participar de projetos universitários no Chile, Peru, Venezuela, México e Uruguai, depois de deixar o Brasil devido ao golpe militar de 1964. [1]


Certa vez, me deparei com uma declaração de Darcy Ribeiro que achei muito legal. Era esta: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.”.

Eu abraço muitas causas e estou, constantemente, sentindo o gosto do fracasso. Mas, realmente, teria sido pior nem ter tentado. Fracassos, na Bíblia, me remetem a Jó. Para quem não conhece a história, ele era o homem mais feliz do mundo, por muitas riquezas e uma família grande e feliz. De repente, ele é atacado por Satanás, e perde tudo de uma vez: todos os seus bens, morrem todos os seus filhos, e por fim ainda fica doente.


Hoje, porém, o foco da coluna não são os fracassos de Jó, mas a conduta de sua mulher, o nosso Perfil Sem Curtidas desta semana. Sua única citação direta, na Bíblia, é em Jó 2:9-10; uma leitura de 10 segundos - que, diga-se de passagem, não conta a favor dela.

Quando seu marido tinha tudo, a mulher de Jó (anônima, na Bíblia) não parecia ter motivos para querer que o nome de Deus fosse amaldiçoado. Jó era muito temente a Deus, e pedia perdão até por pecados que ele nem sabia se haviam sido cometidos! Mesmo assim, quando o sofrimento veio, ele veio pesado demais, e muito de repente. Poderia você manter a paz de espírito num momento assim?


A mulher de Jó deveria ter medido melhor as suas palavras, é claro, porque blasfemou. Mas ao longo de todo o livro há uma longa discussão sobre a relação entre o homem e Deus e todos falaram alguma besteira em alguma hora. A mulher de Jó falou no calor do momento. É fácil julgá-la sem se colocar no lugar dela.

Se você é cristão, será que jamais questionou a Deus por muito menos do que aquilo que aquela senhora estava passando? Jó estava bem calcificado, espiritualmente. Embora ele ainda se achasse injustiçado, não iria abandonar a crença no poder de Deus naquela hora, mesmo ela sendo tão difícil. Ele declara: “Mulher, não fale besteira! Se Deus me mandou tanto bem por tanto tempo, porque virar as costas para Ele agora que nos veio algum mal?” (nas minhas palavras).


A verdade é que todo ser humano tem inclinação para o mal, e é doente de pecado. Todo o bem que recebemos é imerecido, e presente de Deus. O mal que chega é nosso pagamento devido. Podemos chiar, podemos culpar Deus, podemos largar a igreja e tudo mais. Mas isso é ignorar os fatos que a Bíblia declara.

Mas a parte interessante da história da mulher de Jó para mim é a que fica subentendida no final, e, talvez, mesmo quem conhece o relato todo, não tenha se atentado a esse detalhe. No fim do livro, O Senhor se apresenta a Jó, que se arrepende de ter pensado mal dEle. Deus abençoa Jó, que recupera a saúde, tudo que tinha antes, materialmente falando, e tem novos filhos, na mesma quantidade dos que morreram.

Tudo novo, certo? Não! A esposa ainda é a “velha”! Afinal, o texto dá alguns detalhes da nova vida de Jó, mas em nenhum momento ele cita uma nova mulher para Jó. 

Ou seja, aquela frase de inspiração demoníaca realmente representa a mulher de Jó? Ou foi só um momento de loucura? Afinal, se a mulher tinha um marido falido, doente, com todos os filhos mortos, por que ela não foi embora?


Não, ela ficou ao lado do marido. Recebeu as bênçãos de Deus junto do marido. Teve o seu coração perdoado junto do marido. E viveu por muitos anos mais, junto do marido.

A mulher de Jó vai ficar para sempre marcada como vilã da história. Quantas pessoas de bom caráter vão ser sempre rotuladas pela pior coisa que fizeram em sua vida? Fulano vai ser sempre o mentiroso porque mentiu uma vez para você. Beltrano vai ser sempre o ladrão, porque roubou a padaria daquela vez. Sicrano vai ser sempre o adúltero porque traiu a mulher uma vez.

Deus não rotula. Porque ele quer salvar. Dos fracassos, pode sair a força das vitórias.

“Desejaria eu, de qualquer maneira, a morte do ímpio? diz o Senhor DEUS; não desejo antes que se converta dos seus caminhos, e viva?”

        
Não peço que concordem, espero que reflitam!

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