SIM, A GENTE CHORA.
Denize Vicente – Cidade (ainda) Maravilhosa/RJ
Você viu a chuva de terça-feira. Onde eu moro caíram
gotinhas. A uns quilômetros daqui foi quase um dilúvio. Gente perdeu casa,
perdeu bens. Vidas quase se perderam na correnteza. Desabamentos. Mas passou.
Oficialmente, “o Rio passou no teste da chuva”1.
Será? Eu só sei que choramos...
Há poucas semanas, no começo deste mês, Jackson estava
sofrendo a dor de perder sua tia – coração puro, um ser bondoso e amável, que
viveu como Jesus viveu, mas que partiu depois de muito sofrimento com uma
doença que dilacera o nosso coração e nos comove sempre que faz mais uma
vítima... Choramos junto a dor que ele sentiu.
Faz alguns meses, quase todos os passageiros e
tripulantes de um avião que levava um time de futebol para jogar no exterior
morreram, e a gente se viu chorando por famílias e sonhos que ficaram
despedaçados...
Mas um dia se segue ao outro dia. O desespero do ontem,
às vezes manifestado com gritos de horror e agonia, dá lugar aos poucos a um
silêncio doído, um choro quieto e amargo. Nessa hora nada acalma o coração, a
não ser o pensamento em Deus - Aquele que conhece o fim desde o princípio - o
Único capaz de enxugar nosso pranto. E eu nem sei como. Há muitas coisas que
não se explicam, neste mundo. E mesmo quando explicadas não se justificam. Não
são justas. Não podiam ter acontecido. Não. E não. Nunca. A fé, num Deus que
não nos abandona, jamais, e que tem braços de amor do tamanho do mundo, para
nos abraçar, serve de amparo e consolo quando tudo falha. E se você não crê
nisso, tudo fica ainda muito mais difícil... E pensando nisso foi que me lembrei
deste texto do Rubem Alves. E quero compartilhar com você.
Os trinta e três nomes de Deus2
Os trinta e três nomes de Deus2
De vez em quando
perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das
pessoas. Tenho até trinta e três nomes para ele. Esses nomes foi a Margueritte
Yourcenar que me contou. Ela foi uma escritora maravilhosa, autora do livro
Memórias de Adriano, quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses
são os trinta e três nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver
na imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só
pode ser um pedaço de Deus... Mas é preciso ler bem devagarinho... 1.Mar da
manhã. 2.Barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra. 3.Vento do
mar de noite, numa ilha... 4.Abelha. 5.Voo triangular dos cisnes. 6.
Cordeirinho recém-nascido.... 7.Mugido doce da vaca, mugido selvagem do touro.
8.Mugido paciente do boi. 9. Fogo vermelho no fogão. 10.Capim. 11.Perfume do
capim. 12.Passarinho no céu. 13.Terra boa... 14.Garça que esperou toda a noite,
meio gelada, e que vai matar sua fome no nascer do sol. 15. Peixinho que
agoniza no papo da garça. 16. Mão que entra em contato com as coisas. 17.A
pele, toda a superfície do corpo 18. O olhar e tudo o que ele olha. 19.As nove
portas da percepção. 20.O torso humano. 21.O som de uma viola e de uma flauta
indígena. 22.Um gole de uma bebida fria ou quente. 23.Pão. 24.As flores que
saem da terra na primavera. 25.Sono na cama. 26. Um cego que canta e uma
criança enferma. 27. Cavalo correndo livre. 28.A cadela e os cãezinhos. 29.Sol
nascente sobre um lago gelado. 30.O relâmpago silencioso. 31. O trovão que
estronda. 32.O silêncio entre dois amigos. 33.A voz que vem do leste, entra
pela orelha direita e ensina uma canção...
Agradeço ao Carlos Brandão por haver me
apresentado os trinta e três nomes de Deus da Margueritte. Não é preciso que
sejam os seus. Faça a sua própria lista. Eu incluiria: Ouvir a sonata
Apassionata de Beethoven. Sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de
cachoeira. A tela “Mulher lendo uma carta”, de Vermeer. O sorriso de uma
criança. O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas
da árvore... Morder uma jabuticaba... Todas essas coisas são os pedaços de Deus
que conheço... Sim, acredito muito em Deus.
Rubem
Alves - Quarto de Badulaques (LXXX)
As lágrimas de solidariedade que choramos, as lágrimas que derramamos pelo sofrimento de amigos
ou de desconhecidos que nunca vimos, mas que não queríamos que experimentassem
a angústia e a aflição, o desabrigo, a perda dos seus bens materiais e de bens
maiores, como de entes queridos... para mim também são pedaços de Deus que eu
conheço. “Sim, acredito muito em Deus.”
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Referências:
1. A
cidade do Rio passou no teste da chuva? – disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/a-cidade-do-rio-passou-no-teste-da-chuva-21505097
- acessado em 21.06.2017.
2. Rubem
Alves – Crônicas - disponível em www.institutorubemalves.org.br/
- acessado em 21.06.2017.
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