sexta-feira, 27 de abril de 2018

TRIBUNAL DO JÚRI – QUANDO O CORAÇÃO É CONVIDADO (Parte I)


TRIBUNAL DO JÚRI – QUANDO O CORAÇÃO É CONVIDADO
(Parte I)
Denize Vicente – Rio de Janeiro-RJ

Quem lê e estuda um pouco sobre o Tribunal do Júri desenvolve uma certa paixão pela Instituição. O primeiro Júri que eu assisti foi dramático, como, em regra, todos o são. Eu saí de lá às duas e tal da manhã, e naquela noite eu não dormi.

Fui ao Tribunal, aquele dia, a convite da Defensora Pública, que era minha Professora na Faculdade de Direito. Uma pessoa séria, da mais alta competência e lisura. Fiquei impressionada. Arrepiada. O rapaz foi condenado por quatro votos. Sete jurados; quatro o consideraram culpado daquela morte.

Sobre aquele dia, até hoje eu repito: o primeiro Júri a gente nunca esquece.

Por muitas noites sonhei com as cenas que foram descritas, e mesmo não tendo acreditado na inocência do réu não tive certeza de que era culpado. Naquela madrugada eu senti o impacto e a emoção das palavras que ouvi repetidas vezes dos meus Mestres, nos bancos acadêmicos: "Na dúvida, é melhor absolver um culpado do que condenar um inocente.".


Pra se gostar daquilo que se faz eu acho que é preciso um tanto de vocação, amor, paixão e crença naquilo que se está fazendo. Promotores de Justiça e Defensores Públicos (salvo raras exceções) são servidores altamente preparados, com muita técnica jurídica e se lhes falta emoção falta o que é indispensável no Tribunal do Júri. Para atuar no Júri é preciso ter emoção porque ali estão em jogo dois dos maiores bens do ser humano: uma vida que se perdeu, irrecuperável, e uma liberdade a ponto de ser perdida, às vezes também irrecuperável.

Qual deve ser o lado bom de ficar, num julgamento? O lado de quem julga ou de quem está sendo julgado? Decidir o futuro de alguém, para a vida ou para a morte, pela liberdade ou pela privação da liberdade, e errar no julgamento... como deve ser? Alguém inocente, puro, sendo acusado de infringir a lei, merece um bom advogado? E se ainda assim for considerado culpado? Alguém mau, perverso e cruel deve ser condenado? E mesmo assim deve ter um julgamento justo?

Semana que vem a gente volta a falar sobre o Júri, mas até lá pense sobre isso... Pense sobre nossa admiração pelo que é bom e justo e também sobre a nossa capacidade de sentir no coração quando alguém é inocente ou culpado. Pense na beleza de um mundo justo e de como é bom quando a justiça vence e a maldade, a crueldade e a imundície são derrotadas.

Por fim, pense nestas palavras: “Todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças são como trapo da imundícia...” (Isaías 64:6).

Pense bem. E fique à vontade pra fazer a defesa da sua tese, ainda que ela seja contrária a tudo o que você acabou de ler... Comentários são sempre bem-vindos.

5 comentários:

  1. Dias desses parei pra pensar sobre algo parecido com o que vc escreveu. Sempre achei que um suicida estava condenado e pronto! Formei essa opinião por conta da religião que fui ensinado desde criança. Entretanto, dia desses também aprendi que nao. Não podemos considerar que um suicida está perdido pra sempre por dois motivos: 1°) ele pode se arrepender do que fez em milésimos de segundo, e obter o perdao. 2°) bem, esse segundo motivo me fez ver como Deus julga a raça humana agindo com a razão, e claro, mas, muito mais, com emoção. Aprendi que Deus vai considerar a vida como um todo desse suicida. Onde nasceu. Como foi criado. Que oportunidade teve. O que sofreu e qual o nível de sofrimento o levou a por fim à sua vida. Tem gente que sofre desde que acorda até a hora que vai dormir. Tem gente que não vê a vida passar. Que em dado momento vê na morte um lenitivo pra seu sortimento dioturno.
    Certa vez, a trabalho na cidade de Itabira, município de Minas Gerais. 90km de BH. No hotel em que estava hospedado conheci um sargento da polícia militar daquele estado, que também se hospedou lá. Pois bem, ao comentar que Itabira era uma cidade que inspirava paz e segurança, esse sargento me disse então que ali era um dos lugares onde o índice de suiciido era muito grande. Ele disse também que a maior parte desses atentados contra a vida era por meio do enforcamento. E o que ele disse depois foi o que mais me chamou a atenção. Ele disse que em grande parte dos casos, ao analisar o entorno do local onde o suicídio havia ocorrido (árvores), muitos galhos estavam quebrados. Levando-o a crer que a pessoa se arrependia do que estava fazendo e tentava se salvar...
    Com certeza preciso tirar o chapéu pra quem está julgando e o faz com justiça, porém, não se esquece da emoção. Julgar é sem dúvida uma arte. Tentar fazer um júri crer que aquele que matou alguém não deve ter sua liberdade cerceada, pois cometeu tal delito pra defender sua própria vida, quando todos os elementos apontam para a culpa. E no fim conseguir a absolvição desse que era réu é uma arte. Me fascina o ofício do direito.
    Estudando o livro de Apocalipse, temos ali um tribunal; um Juiz; um Advogado de defesa; um advogado de acusação. Temos uma Lei de dez preceitos perfeitos. E almas sendo julgadas. O qual sou uma delas. Semana que vem tenho mais algumas experiências pra contar. Hj me excedi...rsrsrs Sei lá, acho que não fugi do tema, não!

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    1. Ter o poder de decidir está ligado também ao poder do convencimento. Um juiz e um membro do Júri precisam disso, convencimento, para julgar. A diferença é que um juiz precisa fundamentar seu convencimento nas provas e na lei. O jurado, no Tribunal do Júri, fundamenta no coração, no seu sentir. Enquanto o jurado (Conselho de Sentença) responde à quesitação apenas com SIM ou NÃO, o juiz, ao dosar a pena que será aplicada ao réu, em caso de ser considerado culpado, terá que considerar as agravantes ou atenuantes previstas na lei, com a devida fundamentação legal.

      Não é fácil. É um tema que mexe com nossas emoções, porque trata dos maiores bens da vida: a vida e a liberdade.


      P.S. Vou transcrever aqui o questionário, só por curiosidade:

      "Art. 482. O Conselho de Sentença será questionado sobre matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido.

      Parágrafo único. Os quesitos serão redigidos em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do interrogatório e das alegações das partes.

      Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre:

      I – a materialidade do fato;

      II – a autoria ou participação;

      III – se o acusado deve ser absolvido;

      IV – se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

      V – se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

      § 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado.

      § 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação:

      O jurado absolve o acusado?

      § 3o Decidindo os jurados pela condenação, o julgamento prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre:

      I – causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

      II – circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

      (...)"

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ao ler esse texto, e pensando na cidade em que moramos ( RJ ), é fácil pensar em vários exemplos de notícias que defendemos ou acusamos alguém. Nascemos com uma vontade de defender e acusar natural. Mas tentar entender alguém que está sendo acusado sem conhecer a pessoa é realmente delicado. Pensar na acusação e na defesa é embaraçoso. Da vontade de entregar na mão de Deus e deixar Ele julgar. Infelizmente, nós como seres humanos, nem sempre temos paciência e preferimos julgar com nossos olhos cegos, ouvidos surdos, coração duvidoso, e mente confusa.
    Precisamos da misericórdia e orientação de Deus todos os dias para aprendermos a amar, ouvir e realmente entender o outro.

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    1. Acho que a mente confusa e nosso olhar humano e impaciente são mesmo coisas que dificultam um julgamento livre e justo, da nossa parte. Sabedoria para julgar deveria ser nosso pedido. No Júri e na vida.

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