sexta-feira, 23 de março de 2018

SONHANDO SER FORTE


SONHANDO SER FORTE
Denize Vicente – Rio de Janeiro/RJ

23 de março de 2007.
Sexta-feira.
Duas horas da tarde.
Pego o carro e atravesso toda a Presidente Vargas com destino a Vila Isabel, terra de Noel e  Nélida Piñon. No caminho, penso que serei forte todo o tempo. Estou certa de que sou a pessoa certa para fazer o que é preciso ser feito. Estou segura de mim.


Trânsito tranquilo, chego ao meu destino minutos depois. Estaciono o carro em uma rua próxima, prendo os cabelos num rabo de cavalo - penso que assim tenho mais mobilidade - ponho os óculos escuros, e caminho rápido, determinada.

Subo a pequena rua de paralelepípedos num impulso, e paro na Portaria, para as informações. Percebo que minha voz sai mais grave, mais pausada e mais baixa do que o comum. Não entendo. Não é proposital nem posso controlar. Gentil e educado, o segurança faz duas ou três perguntas e ainda com firmeza na voz grave e pausada, eu consigo responder. Mas ele já se compadece de mim, não sei como. Toca nos meus ombros e me aponta o caminho para o elevador, num sorriso singelo de quem deseja o bem.

Meus passos, já agora não mais tão largos, já não tão firmes, me levam ao 3º andar. Muitas portas. Respiro fundo, porque já um pouco aturdida, e abro uma delas. Com a mesma voz pausada e respiração forte, peço para falar e me apresento. Enquanto me anunciam, por telefone, fixo meus olhos no teto, na vã tentativa de desafiar com êxito a lei da gravidade. Inspiro e expiro lentamente, duas ou três vezes, na intenção de controlar a emoção e acalmar meu coração. Mas as lágrimas já escorrem dos meus olhos.

- “Está tudo bem?” - a bondosa atendente me pergunta, sem que eu consiga responder. Tive medo de não conseguir falar, e então nem experimentei as palavras.

A moça levanta-se depressa, e quase num abraço, daqueles que se oferece a quem padece, pergunta se eu quero um copo d'água. Respondo que sim com um breve movimento, ainda sem nada dizer, e ela me conduz, atenciosamente, à sala, servindo-me, em seguida, um copo com água.

Ali, sentada, tendo de me apresentar e dizer o porquê da minha presença, foi impossível conter as lágrimas. Chorei contida e profundamente. Mas havia um clima de ternura e aconchego enquanto eu era atendida calma e delicadamente, o que me deu um relativo conforto.

Depois subi ao 4º andar, estendendo minha estada, ali, por mais alguns instantes. Infindáveis.

Não permaneci naquele lugar mais do que trinta minutos...
Tempo suficiente para confirmar que eu era mesmo a única pessoa que poderia cuidar de tudo isso, naquele momento; mas, paralelamente... a certeza de que não há como ser forte quando se caminha pelos corredores daquele hospital, e se vê a cantina onde dois meses antes comprei o lanche pra ela e seus pais, e a sala de quimioterapia, e a porta do consultório do Dr. Rodrigo, e a luta de tantas outras mulheres que buscam a cura para essa maldita doença...

Em meio às lágrimas, desci as escadas, caminhei novamente pelos paralelepípedos, olhei para cima, para a janela do corredor onde ficamos sentadas no dia da última consulta, senti uma dor pungente, passei pelo segurança, agradeci; consternado, ele acenou, e eu segui.


A espera pelo sinal verde, a travessia da rua, o posto de gasolina e a lojinha onde comprei "Gatorade" pra ela, o percurso até o carro que, curiosamente, estava parado no mesmo lugar em que havíamos parado naquele 31 de janeiro, e só agora eu me dava conta disso, tudo fazia pesar minhas pernas, molhar os meus olhos, doer meu coração.

Meu amor por todos da sua família ainda me faria voltar lá naquela mesma semana, por mais que eu não fosse forte como imaginei que pudesse ser - afinal, é imensamente cruel para o coração de pai e de mãe ter de reviver as últimas cenas do maior sofrimento da sua vida.

Voltei mesmo. E voltaria quantas vezes fossem necessárias. Não por ser forte; mas, como disse Paulo na sua segunda carta aos Coríntios, "porque quando sou fraco, então é que me faço forte." (II Coríntios 12:10).

Valéria se despediu de nós no dia 09 de fevereiro de 2007 e ainda hoje sinto a dor da saudade. Mas me encanta saber que a gente nunca está sozinho. Já se passaram 11 anos desde aquele dia em que me fiz forte quando era tão fraca... e mesmo atualmente percebo que todas as vezes em que me sinto assim, fraquinha e chorando, peço e recebo a força que preciso. Deus leva a minha angústia embora. De um jeito que eu não sei explicar.

Pode acontecer com você também.
“Ele tudo vê; não se esconde ao ver você chorar... e vem ficar mais perto de você...”
Esse é o Deus que eu conheço.


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