NEM TE REPAREI...
Denize Vicente - Rio de Janeiro - Cidade Maravilhosa
Você já
ouviu falar em “invisibilidade pública”?
No segundo
ano de sua faculdade de Psicologia, aos 19 anos de idade, o estudante Fernando
Braga da Costa fez algo “parecido” com o que o atual prefeito de São Paulo fez
no primeiro dia de seu mandato. Fernando vestiu uniforme de gari aos 19 anos,
para um trabalho de Psicologia Social, e por DEZ ANOS, duas vezes por semana, trabalhou
varrendo as ruas da USP (Universidade de São Paulo). Entendeu, agora, por que
eu usei aspas, ao dizer que ele fez uma coisa parecida com a que fez o João
Doria Júnior?
Falando numa
linguagem bem simples: Fernando comprovou sua tese de que existem pessoas invisíveis.
Ele constatou que, para o público em geral, trabalhadores braçais são “seres
invisíveis” e “sem nome”. As pessoas enxergam a função que uma pessoa
exerce, e não a pessoa. Veem o uniforme, e não quem o veste. Uma percepção lamentavelmente
triste...
Ele trabalhou como gari, nesses dez anos, e descobriu uma coisa que deveria fazer a gente rever os conceitos, em 2017: “Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência.”. Mas aí você pode pensar: Ah, eu sei que um bom dia é importante, que um bom dia faz bem... Por isso todos os dias eu dou bom dia nos meus grupos de WhatsApp, dou bom dia no Facebook, no Instagram, no Twitter...
Não, cara!
Ele tá falando de outra coisa... Ele tá falando sobre um “bom dia” como ”sopro
de vida”, como “um sinal da própria existência”... tá entendendo? Sobre essa
coisa de você passar por alguém na rua e nem notar... O gari, o carteiro, o
ascensorista, o moço que está tapando o bueiro da sua rua, o caixa do mercado, o
jardineiro que caminha procurando umas gramas pra cortar, o cara do gás, o jovem
que sobe no poste para instalar a linha de telefone, a senhora que limpa o
banheiro... Tá falando que a gente precisa sair do mundo virtual, sair da
casinha, e ser mais gente, ver mais gente, ver o mundo que está em volta da
gente. Não é só sobre a importância de dar um “bom dia” olhando nos olhos de
alguém que se tornou “invisível”, é também sobre o mal que a gente causa ao não fazer isso.
O
experimento se estendeu durante a graduação, o Mestrado e o Doutorado. Fernando
conta que professores que o abraçavam nos corredores da USP passavam por ele
enquanto ele varria o chão e não o reconheciam - por causa do uniforme.
“Às vezes, esbarravam no meu
ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como
se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão.”, diz o Psicólogo.
Ele conta que quando estava trabalhando e via um de seus professores se
aproximando ele até parava de varrer, porque o professor iria passar
por ele e, quem sabe, poderia parar pra trocar uma ideia... Mas, que nada! “O pessoal passava como se tivesse passando
por um poste, uma árvore, um orelhão.”.
“Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente à lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angústia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.”
Fernando aprendeu muito com esse experimento social. Ele diz que mudou; que nunca mais deixou de cumprimentar um trabalhador; faz questão de que o trabalhador saiba que ele sabe que o cara existe.
Sabe, a “invisibilidade
pública transforma pessoas em objetos”, e eu não acho que nós queremos um mundo
assim. João Doria Junior foi fotografado, cumprimentado, elogiado, foi até criticado,
mas foi notado, foi visto. Sorriram pra ele. Porque tinha uma ação de marketing
mostrando a pessoa que vestia o uniforme. Mas qual foi a última vez que você
deu “bom dia” pro gari da sua rua, pro terceirizado da limpeza que lava o
banheiro do prédio em que você trabalha, pro entregador de pizza, pro
ascensorista do prédio onde fica o consultório do seu médico?
Eles têm
nome. Mas a gente não sabe. A gente passa por eles e nem sabe há quanto tempo
eles estão ali, há quantos meses ou anos eles prestam seus serviços naquele mesmo
lugar. Se estão bem, se estão tristes... A gente não os vê. Os animais
domésticos. Eles têm nome e são tratados pelo nome. Esses trabalhadores... eles
têm nome??
Maria
Madalena foi levada a Jesus por homens que viam a função que ela exercia, mas
não viam a pessoa. Eles a jogaram diante de Jesus, dizendo:
- Mestre, essa mulher foi apanhada em adultério.
“Essa mulher”,
reparou? Bem indistintamente. Bem indiferentes.
Mas Jesus,
não. Ele disse: “Mulher”... mas olhou
dentro dos seus olhos e falou com ela (João 8: 1-11). Ele
enxergou a pessoa. Ele deu o “bom dia” que foi o sopro de vida para aquela
mulher. “Um sinal da própria existência...”
2017 chegou
já faz mais de um mês. Chega de mais do mesmo. Vamos ser mais semelhantes a
Jesus! É o que eu desejo pra nossa vida. Olhe nos olhos. Olhe ao redor. Enxergue
as pessoas. O seu “bom dia” pode ser um sopro de vida pra alguém.
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Referências:
Artigo de Plínio Delphino, Diário de São Paulo, Orquidário Cuiabá, 7/12/2008
Garis – Um estudo sobre a invisibilidade pública – Disponível em: http://www.bv.fapesp.br/pt/publicacao/6180/garis-um-estudo-de-psicologia-sobre-invisibilidade-publica/ - acessado em 10.01.2017
Fernando Braga da Costa é Doutor em Psicologia Social e Professor do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina de Jundiaí, São Paulo.
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