QUANDO TUDO FALHA
Denize Vicente - Rio de Janeiro/RJ
O
"Bilhete fraternal, talvez útil" foi escrito por Antônio Maria, poeta,
para Maysa. Maysa cantava
e cantava muito bem, mas, sabe-se, vivia uma vida desesperada e angustiada.
Dependência do álcool, diversas internações em clínicas de desintoxicação,
tentativas de suicídio, um sem-número de casos amorosos vividos, e por fim a
morte, em 1977, num acidente automobilístico.
Antônio Maria, em junho de 1958,
escreveu esta crônica:
Minha prezada Maísa:
Sabe você com que cores se costuma pintar os maus momentos e as aflições alheias. Ontem, por exemplo, disseram-me, na rua, que você, num só desespero, além de cortar os pulsos, abrira o gás do banheiro e ingerira uma dose violentíssima de certos comprimidos tóxicos. Era a notícia que corria em Copacabana, depois das seis da tarde. Mais tarde, nas boates, todos diziam que o seu estado era desesperador, aguardando-se o desenlace para cada momento.
Comentei com amigos o desperdício dos suicídios e, no seu caso especial, o absurdo de uma jovem tão bonita, tão artista, tão cheia de êxitos, tender, constantemente, para a desistência do bem essencial a todos os bens, que é a vida. Hoje, graças a Deus, os noticiários da imprensa contaram a história direito, explicando que você apenas tomara um pileque maior e alguns comprimidos além de Miltown.
...
Mas, minha prezada Maísa... Queria conversar sobre a morte, dentro da verdade irrefutável de que a vida, mesmo quando não chega a ser uma delícia, é uma fascinante experiência de luta e coragem, bela não só nos momentos de intensa felicidade, como, e mais ainda, nos transes dolorosos, de que saímos mais livres e fortes. Não quero dizer com isso que sofrer seja bom. Boa é a nossa convicção de sobrevivência a todas as injustiças que nos fazem à carne e à alma.
Mas, minha prezada Maísa... Queria conversar sobre a morte, dentro da verdade irrefutável de que a vida, mesmo quando não chega a ser uma delícia, é uma fascinante experiência de luta e coragem, bela não só nos momentos de intensa felicidade, como, e mais ainda, nos transes dolorosos, de que saímos mais livres e fortes. Não quero dizer com isso que sofrer seja bom. Boa é a nossa convicção de sobrevivência a todas as injustiças que nos fazem à carne e à alma.
O suicídio contém uma desforra, e este é o seu lado fascinante. Mas o suicídio contém a morte, e este é o seu defeito irreparável. Nunca morrer hoje, quando se pode morrer amanhã... ou daqui a cem anos. Há muito o que ver e sentir, há muito o que amar! Em mim e em meus semelhantes mais intranqüilos haverá, um dia, aquela manhã clara e azul, e, com os olhos da alma sossegada, veremos toda a beleza da rosa, toda a luz do lago duro e prisioneiro, o sopro da manhã cheia de pássaros, o convite do amor no ser que passa.
Quantas vezes estive cansado, infeliz da minha completa impossibilidade, cativo da hora improtelável, faltado de todo o bem-querer humano, faltoso a todos os meus compromissos e, mesmo assim, estive certo dessa manhã que nos aguarda a todos. Há uma série de acontecimentos recentes em minha vida, que só por eles jamais cometeria a ingratidão de me matar. Poderia enumerar alguns: o caminho de Versalhes, a descida do Tejo, a estrada de Teresópolis, a noite que acabo de dormir, pesadamente. Em tudo isto quanto apego a esta minha vida sem método, por este destino sem porto de chegada, pelo meu coração, que só deseja o acaso dos homens e das coisas! Que incontida necessidade de confiar! Que lúcida noção de todas as minhas falhas... E, mesmo assim, viver! Ninguém recebeu o conselho dos mortos. Por isso, ninguém se deve matar.
Minha jovem amiga, abra uma janela de sua casa - a que dá para o mar ou para a montanha. Procure o mundo e dê-se por perdida. Viva, sem a nervosia de procurar-se a si mesma, porque cada um de nós é um perdido, um ilustre perdido na humanidade vária e numerosa. Viva, que no fim dá certo.
É o seu amigo, A.M.
5/6/1958
Cada um de nós é mesmo um perdido... e
procurar-se a si mesmo é cansativo e angustiante. Deixe que Deus busque você;
você, esse “ilustre perdido na humanidade vária e numerosa”.
“Porque o Filho do Homem veio buscar e
salvar o perdido.” (Lucas
19:10)
Antonio Maria talvez não soubesse disso, ou
talvez teria dito
também, no meio de tantas palavras lindas e conselhos de amigo, que é exatamente quando você acha que não há mais nada a fazer e seus
pensamentos são apenas de destruição, que “o Filho do Homem” pode achar você e derrubar
os portões, destruir as barras de ferro e abrir os cadeados e trancas da sua
vida. Na sua angústia, meu amigo, grite por socorro. Deus é real e pode livrar
você das suas aflições.
“Pois ele derruba portões de bronze e
despedaça barras de ferro. Alguns foram insensatos e sofreram por causa dos
seus pecados, por causa da sua vida de rebeldia; ficaram com enjoo diante da
comida e chegaram bem perto da morte. Então, na sua angústia, gritaram por
socorro, e o Senhor Deus os livrou das suas aflições. Com a sua palavra, ele os
curou e os salvou da morte.” (Salmos 107:15-20)
“O suicídio
contém a morte, e esse é o seu defeito irreparável.”...
Quando tudo falha é difícil demais! Grite por socorro... Experimente Deus.
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