O
INCÊNDIO DO MUSEU NOS AJUDA
Jackson Valoni – Angra dos Reis/RJ
Às vésperas do feriado que deveria trazer à
memória a conquista da Independência do Brasil, 7 de setembro, o mundo inteiro,
este ano, ficou chocado com a destruição do Museu Nacional, consumido pelo
fogo. O museu fez 200 anos de história em junho. O incêndio teve início num
domingo sem chuva, em torno das 19h30min. Os bombeiros tiveram dificuldade para
conter as chamas porque os hidrantes não funcionavam. O Museu Nacional não
tinha estrutura de combate a incêndio e abrigava um acervo de 20 milhões de
itens, incluindo documentos da época do Império, fósseis, coleções de minerais,
artefatos greco-romanos, e a maior coleção egípcia da América Latina. Repleto
de objetos inflamáveis, o cenário da destruição só aguardava a primeira
fagulha, que começou pouco depois de os últimos visitantes terem ido embora.
O prefácio de um livro do jornalista
Laurentino Gomes revela um pouco que o abandono das memórias históricas do
Brasil não é fruto de uma recente gestão negligente, mas desdobramento de
descasos que ultrapassam gerações. Veja as considerações desse jornalista na
introdução de seu “best seller” 1808,
a respeito do Museu Nacional e do Paço Imperial, outro importante museu
localizado no Rio de Janeiro que ainda não foi consumido pela tragédia
irreparável:
“Seu acervo reúne, além do meteorito, aves e animais empalhados e vestimentas de tribos indígenas abrigadas em caixas de vidro que lembram vitrinas de lojas das cidades do interior. As peças estão distribuídas ao acaso, sem critério de organização ou identificação. O Museu Nacional é ainda mais esquisito pelo que esconde do que pelo que exibe. O prédio que o abriga, o Palácio de São Cristóvão, foi o cenário de um dos eventos mais extraordinários da história brasileira. (...)Apesar de sua importância histórica, quase nada no Palácio São Cristóvão lembra a corte de Portugal no Rio de Janeiro. A construção retangular de três andares, que D. João ganhou de presente de um grande traficante de escravos ao chegar ao Brasil, em 1808, é hoje um prédio descuidado e sem memória. Nenhuma placa indica onde eram os dormitórios, a cozinha, as cavalariças e as demais dependências usadas pela família real. É como se nesse local a História tivesse sido apagada de propósito. (...)A mesma sensação de descaso se repete no centro do Rio de Janeiro, onde outro prédio deveria guardar lembranças importantes desse período. [O antigo Paço Imperial] Foi a sede oficial do governo de D. João no Brasil, entre 1808 e 1821, mas hoje um turista desavisado poderia passar por ele sem tomar conhecimento dessa informação. Com exceção de uma carruagem antiga, de madeira e sem identificação, exposta junto à janela direita da entrada principal, nada ali faz referência a seu passado histórico. Na parede ao lado da carruagem, um mapa em alto-relevo mostra os prédios e arranha céus do centro do Rio de Janeiro atual. É uma curiosidade fora de contexto. Em se tratando do Paço Imperial, seria mais razoável que se tentasse reproduzir a cidade colonial da época em que a corte portuguesa chegou ao Brasil.”(Gomes, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil — São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2007)
É uma tristeza profunda quando levamos
nossos pensamentos com apreço àquilo que não pode mais ser resgatado. Hoje, por
exemplo, o Museu Nacional tem conseguido valores vultosos de dinheiro de
diversas entidades. Até o fim da redação deste texto o Ministério alemão do
Exterior, por exemplo, havia prometido doar um milhão de euros para ajudar a
reconstruir o Museu Nacional.
O retrato do abandono das memórias do país
nos ajuda a refletir sobre nossa própria vida. Também nos ajuda a refletir
sobre a atenção que temos por nossa família. E nos ajuda a trazer à mente o
histórico da nossa vida e o que nos fez chegar até aqui.
O retrato do abandono das memórias do país
nos ajuda a olhar pro Céu e dizer, como num alívio: Meu Deus, como posso ser
melhor?
Dá tempo.
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