terça-feira, 15 de setembro de 2020

UM RESGATE NO MEIO DA PANDEMIA

UM RESGATE NO MEIO DA PANDEMIA

Airton Sousa - Direto da quarentena

 

Meu amigo que mora em outro Estado me ligou na madrugada de um domingo desses de inverno.

Pediu ajuda para resgatar uma sobrinha, que conseguiu se livrar de uma situação de cárcere privado, e estava perdida na cidade, tentando chegar até a Rodoviária. 

Ela contou  que o marido a tratava com violência e a mantinha presa dentro de casa. Naquela madrugada de sábado para domingo  ela aproveitou um descuido dele, que estava embriagado. Saiu assim que pode e foi descendo o morro; e foi ganhando estrada sem conhecer quase nada do Rio, seguiu em direção ao centro.

Quando meu amigo ligou, ela já estava em Botafogo. Cansada, com fome e sem dinheiro... e fazia muito frio. 

Eu acordei com a ligação e o pedido, e confesso que até pensei em inventar uma desculpa... mas era o pedido de um amigo especial. Levantei, tomei um banho e saí de casa sem pensar. Deixei pra ir pensando durante o trajeto.

Daqui de Paciência até Botafogo foi um longo caminho. Pedi pra moça se manter escondida em um banco da estação do Metrô.

A ideia era levá-la até a rodoviária, mas algo me dizia que essa na era uma boa ideia. Então eu a trouxe aqui pra casa. Cuidamos dela, alimentamos e não fizemos muitas perguntas, para evitar constrangimentos.

Providenciei o embarque para São Paulo,  de uma outra rodoviária. E foi uma boa ideia, pois eu soube, mais tarde, que o marido havia passado aquele dia inteiro na Rodoviária principal do Rio.

Foi uma operação perigosa, mas fiz sem pensar nos riscos.

Conversamos bastante, e o meu sobrinho, Miguel, fez uma brincadeira dizendo que o aniversário de cinco anos dele estava chegando. E inocentemente perguntou:

- É o seu quando é?

- É  hoje – ela respondeu. 

Compramos um bolinho e comemoramos o aniversário dela. 20 anos.

Eu pensei muito sobre esse fato. Quantos vivem situações parecidas e não sabem como escapar! Vimos muitas histórias de violência nesses últimos dias, onde os próprios familiares são os principais criminosos...

Sabe, quando tudo terminou naquela noite de domingo e o ônibus da 1001 finalmente saiu da rodoviária de Campo Grande, eu pude ir pra casa e finalmente dormir tranquilo, eu pensei: isso é graça!

"Deus ama cada um de nós como se houvesse apenas um de nós." (Agostinho)

 

https://quebrandoosilencio.org

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