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quarta-feira, 7 de outubro de 2020

ESCUTAR É COMPLICADO

 

ESCUTAR É COMPLICADO

Larissa Oliveira – Bento Ribeiro – Rio de Janeiro - RJ                   

 

Lendo um texto de Rodolpho Gorski, hoje pela manhã, no qual ele se inspirou num trecho do livro de Tiago (1:19 – “Lembrem-se disto, meus queridos irmãos: cada um esteja pronto para ouvir, mas demore para falar e ficar com raiva”), pensei em quantas vezes não consegui me conectar a alguém ou vice-versa pelo fato complexo do não saber ouvir.

As pessoas estão muito dispostas a falar e são motivadas a isso, mas ouvir é tão importante quanto falar e faz parte do processo de comunicação, sociabilização e bem-estar pessoal.

Quantas vezes você já foi interrompido por alguém, ou num grupo? Quantas vezes você já interrompeu alguém ou sequer deixou que a pessoa expressasse algo?

“A arte da escutatória” é um texto-pérola de Rubem Alves que provoca considerações a respeito da nossa forma de agir diante desse ato tão complicado que é escutar o outro.

“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…

 

Parafraseio o Alberto Caeiro: ‘Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma’. Daí a dificuldade: a gente não aguenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer…

 

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos…

 

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as ideias estranhas). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.

 

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir.

 

Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar – quem faz mergulho sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar.

 

Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. Ouçamos os clamores dos famintos e dos despossuídos de humanidade que teimamos a não ver nem ouvir. É tempo de renovar, se mais não fosse, a nós mesmos e assim nos tornarmos seres humanos melhores, para o bem de cada um de nós.

 

É chegado o momento, não temos mais o que esperar. Ouçamos o humano que habita em cada um de nós e clama pela nossa humanidade, pela nossa solidariedade, que teima em nos falar e nos fazer ver o outro que dá sentido e é a razão do nosso existir, sem o qual não somos e jamais seremos humanos na expressão da palavra.”.

(Fragmento – 1999)

Um forte abraço!     

 


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